As crianças selvagens
As “crianças selvagens” são crianças que cresceram privadas de todo o contacto humano, ou cujo contacto humano foi mínimo. Podem ter sido criadas por animais (frequentemente lobos) ou, de alguma maneira, terem sobrevivido sozinhas. Normalmente, são perdidas, roubadas, vítimas de situação de abuso ou abandonadas na infância e, depois, anos mais tarde, descobertas, capturadas e recolhidas entre os humanos.
Estas crianças apresentam características muito particulares, no momento em que são encontradas, possuem uma linguagem, sobretudo linguagem mímica, em alguns casos imitativa dos sons e dos gestos dos animais com quem viveram. A sua linguagem verbal é quase sempre nula ou muito reduzida e varia de caso para caso, conforme o tipo de isolamento e a idade a qual aconteceu. A sua capacidade para aprender uma língua no seu regresso à sociedade humana é muito variada. Algumas nunca aprendem a falar, outras aprendem algumas palavras, outras ainda aprenderam a falar correctamente, o que provavelmente indicia que tinham aprendido a falar antes do isolamento. As crianças selvagens exibem o comportamento social das suas famílias adoptivas. Não gostam em geral de usar roupa e alimentam-se, bebem e comem tal como um animal o faria. A maioria das crianças selvagens não gosta da companhia humana e percorrem longas distâncias para a evitar.
As crianças selvagens não se riem ou choram, apesar de eventualmente poderem desenvolver alguma ligação afectiva. Manifestam pouco ou nenhum controlo emocional e, muitas vezes, têm ataques de raiva podendo então exibir uma força particular e um comportamento claramente selvagem.
Os casos mais conhecidos e que ficaram célebres, foram:
- Menino selvagem Aveyron;
- Amala e Kamala;
- Gennie;
- Criança-lobo de Hesse;
- Criança da Baviera;
Entre os casos mais conhecidos, temos ainda o caso de Isabel Quaresma, em Portugal.
Isabel Quaresma
Isabel Quaresma é um caso português que relata uma menina que viveu a sua infância num galinheiro.
Na verdade, ainda que tivesse mantido algum contacto com a sua mãe, é muito provável que esta pouco ou nada falasse com a sua filha, limitando-se a alimentá-la como alimentava as galinhas.
Quando Isabel foi encontrada possuía algumas características físicas específicas, tais como:
- Subdesenvolvimento ósseo;
- Grande debilidade;
- Cabeça muito pequena para a idade;
- Calos nas palmas das mãos;
Em termos comportamentais, revelava atitudes consideradas extremamente agressivas ou estranhas, ( como comer o seu próprio cabelo)
Relativamente a processos de instrução, verifica-se que Isabel consegue aprender algumas coisas básicas, como:
- Descascar laranjas e bananas;
- Abrir algumas portas;
- Pegar num lápis e riscar;
Em suma, o modo como estas crianças se relacionam com os outros e com o mundo provoca em nós uma estranheza fundamental. Não nos reconhecemos nelas, elas não se reconhecem em nós. Mas as suas capacidades e as suas características mostram como dependemos de outros, do contacto físico e sociocultural com eles, para nos tornamos os seres humanos que somos.
Estes casos demonstram que ser humano é mais do que pertencemos a uma espécie de seres com determinada biologia e estrutura corporal, tornamo-nos humanos através da aprendizagem de formas partilhadas e reconhecíveis de ser e de nos comportarmos. Estas crianças crescem isoladas do contacto com outros humanos, o seu comportamento é feito da ausência de qualquer contacto social, e por isso não tiveram qualquer tipo de aprendizagem de comportamentos, normas, práticas e valores de uma determinada comunidade, ou seja, não tiveram qualquer processo de socialização, ainda que em alguns casos a socialização primária acontece. O seu comportamento social não é em geral, orientado para outros seres humanos, nem segue os mesmos padrões, podendo aproximar-se, em alguns casos, do dos animais que interagiram, quando existia uma interacção de tipo social com outros animais. Tudo isto me leva a concluir que o papel das interações sociais é fulcral no desenvolvimento humano.